quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

On the Road - Pé na Estrada - Resenha

Férias: ótimo período para realizar atividades para as quais nunca temos tempo (ou disposição) durante o ano letivo. Uma dessas atividades é a leitura.

Geralmente gosto de ler, mas convenhamos, quando se está estudando, é preciso ler e reler centenas e mais centenas de páginas de livros na maioria das vezes chatos para as avaliações, e nem isso é o bastante em muitos casos; ainda é preciso pôr os conhecimentos à prova em exercícios e problemas teóricos ainda mais tediosos e desgastantes, tudo para ficarmos bem preparados. E aí, na hora de aproveitar as escassas e merecidas horas de descanso e lazer, alguém acha que o sujeito terá ânimo de puxar da estante aquele clássico literário comprado há vários meses e começar a ler, por melhor e por mais fino que seja o livro? É muito mais provável que continue lá, empoeirado e mofando pelo resto do ano!

Pois bem, é por isso que chegam as férias. E nessas férias o último livro que terminei de ler foi On the Road - Pé na Estrada, o mais famoso e cultuado de Jack Kerouac, com tradução para o português de Eduardo Bueno. Peguei a última edição que saiu pela coleção L&PM Pocket, que é ótima para levar para qualquer lugar e tem um preço bastante acessível.


Não há mistério nenhum: On the Road, como o nome sugere, é uma história sobre uns caras que resolvem se aventurar nas estradas (em sua maioria) estado-unidenses, cruzando as terras americanas de tudo quanto é jeito. De leste a oeste, de oeste a leste, de norte a sul, de sul a norte e por aí vai. História simples, descontraída e libertária.

Pra falar a verdade eu fiquei sabendo de OtR só porque um dia eu estava pesquisando alguns livros influentes na literatura internacional e acabei sendo atraído pelo nome, que estava nas últimas colocações de uma lista das 100 melhores obras literárias de todos os tempos (ou do século XX, não lembro bem...).

A obra de Kerouac pode não ser um dos melhores livros do mundo, mas até que merece estar nessa lista por dois motivos: 
1. O jeito "largado" de escrever, que foi uma inovação que rompeu com todas as barreiras, convenções, formalidades, enfim, com todos os paradigmas do universo literário de sua e de anteriores épocas. 
2. A influência causada nas juventudes de muitas gerações no mundo inteiro e todo o reboliço gerado por esta influência.

A frase que abre a sinopse da minha edição começa com: "Responsável por uma das maiores revoluções culturais do século XX,...". E, após ter concluído o livro, não é difícil compreender e verificar a veracidade desta afirmação; basta olharmos os tantos movimentos de contracultura surgidos a partir da década de 60, logo após a publicação de OtR e outras obras de mesmo caráter, tais como os hippies, por exemplo. Além disso, pode-se observar o quanto os norte-americanos são atraídos pela ideia de cruzar o país de cabo a rabo em viagens em família pela estrada, que aliás reafirma a liberdade como uma das bases do conceito do sonho americano. Eu poderia perder horas citando filmes que refletem essa paixão americana, mas creio que não seja necessário aqui.

Se não tudo, pelo menos uma grande parcela dessa revolução teve seu início com OtR. É por isso que este livro é tão importante. É como se fosse um marco na história da civilização comtemporânea. Talvez seja.

A narrativa de OtR é simples, de fácil compreensão, fluída e muito rápida, exatamente como deveria ser uma viagem de carro para atravessar o país (e, já que este se estende por toda a porção de terra entre os oceanos Atlântico e Pacífico, consequentemente atravessar o continente) em poucos dias. Quem nos conta a história é o próprio protagonista, relembrando os acontecimentos do período mais agitado de sua vida, quando já era velho o bastante para ter se separado da mulher, mas ainda jovem para cruzar o país de carona e com não muito mais do que 50 dólares no bolso.

O autor, como explicado antes, poucas vezes se prende a formalidades literárias; escreve com alegria, com ingenuidade, com espontaneidade e indo direto ao ponto, sem meias palavras. Escreve o que vem à cabeça e o que lhe é estritamente relevante. Gírias ultrapassadas à parte, escreve justo como a mente de um jovem atualmente escreveria.

Nessa obra, o importante é a descontração, é a emoção de simplesmente viver livremente, momento a momento, é a facinação pela fantástica história de um cara que curtia ao máximo cada paisagem e cada peculiaridade de cada uma das milhares de pessoas vistas, conhecidas e conquistadas pelo continente adentro. É o barato de simplesmente ser, e não de complicar (coisa que o homem mais gosta de fazer).

Talvez o livro peque um pouco no que diz respeito à profundidade do desenvolvimento das personagens, que, uma vez que tivessem seus anseios e motivações mais bem definidas, poderiam adicionar conteúdo relevante à obra, apresentando novas visões de mundo e novas filosofias de vida, ou algo assim. Entretanto, isso iria contra o propósito fundamental do livro, que é simplesmente viver intensamente e ver o mundo antes de partir para outra ou nenhuma vida.

Por último, é impossível deixar de comentar o contagiante sentimento de revolta libertária inspirado por OtR. Depois de ler este livro (e também ajudado por minhas próprias reflexões), passei a ter uma visão um pouco mais ampla do mundo que nos cerca e concluí que o único que pode ser responsável por minha vida e minhas ações sou eu mesmo, doa a quem doer e seja isso bom ou não. Também fiquei com uma imensa vontade de fazer uma viagem de carro longa pelo Brasil nas próximas férias. 

Claro que aqui no noso país a coisa é meio diferente por causa das precárias condições da maioria das estradas estaduais e até mesmo de muitos trechos das BR's, que deveriam ser vias com constante manutenção para estarem sempre impecáveis e garantirem a máxima segurança devido aos grandes fluxos de tráfego, e também por causa da alarmante mortalidade no trânsito gerada pela prepotência, arrogância, imprudência e irresponsabilidade dos condutores brasileiros - se é que podemos chamar essa gente de condutores, quando tudo o que eles fazem é ceifar vidas de inocentes e a própria. Mas que deu vontade de pegar a estrada, deu.

Saindo da bronca e voltando ao livro, OtR é bom. Não genial, mas bom. Em alguns momentos podem se tornar um tanto cansativo, mas de qualquer forma vale o tempo gasto na leitura. Recomendo que vá à livraria e leia nas férias antes que acabem. Té mais.

EDIT (28/01/11) - Que coincidência, olha só a galera do Pipoca e Nanquim falando de On the Road só dois dias após o meu post aqui! Confiram nos links:
- Videocast 55 (Road Stories) no site NSN
- Videocast 55 no Videolog do Pipoca e Nanquim